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J.Dalcastagné

A história de Julia Dalcastagné, É uma trajetória rica em experiências, começou em Florianópolis, onde ela nasceu, em uma família com raízes em diferentes partes do Brasil. Seu pai, de Belém do Pará, e sua mãe, de Nova Trento, Santa Catarina, não esperavam que ela seguisse uma veia artística, já que ambos vinham das ciências exatas. No entanto, a arte sempre teve espaço em sua vida, com seu pai tocando piano e bandolim, o que despertou em Julia o desejo de aprender música ainda muito jovem. Assim, sua iniciação artística começou com o piano.

Apesar do amor pelo desenho, ela não teve aulas formais de pintura até entrar na faculdade. Porém, durante a infância, desenhava diariamente enquanto assistia TV. Esse período foi marcado por sua educação na escola Waldorf Anabá, onde teve contato com diversas formas de expressão artística, como caligrafia, aquarela, argila e marcenaria, o que desenvolveu sua habilidade com diferentes materiais. Mesmo assim, Julia enfrentava um conflito interno, pois seus gostos oscilavam entre o "pop" e o sombrio, e isso se refletia nas suas preferências artísticas.

Durante um ano em Londres, enquanto seu pai fazia pós-doutorado, Julia teve uma imersão cultural que mudou sua vida. Os museus, como a National Gallery, tornaram-se pontos de encontro semanais, onde ela se inspirava em obras icônicas e desenvolvia sua paixão pelo realismo. Esse período foi fundamental para sua formação artística, pois ela começou a explorar novas técnicas de desenho por conta própria, usando lápis grafite, carvão e crayons. A obra "A Grotesque Old Woman" de Quinten Massys, que ela conheceu no museu, foi uma de suas grandes influências.

Ao retornar ao Brasil, Julia encontrou na arte uma maneira de lidar com as dificuldades da adolescência e da readaptação à sua terra natal. Abandonou temporariamente o realismo e mergulhou em personagens caricaturais, influenciada por sua nova paixão pela literatura, especialmente os realistas como Machado de Assis e Eça de Queiroz. Nesse período, sua arte começou a ganhar uma identidade mais definida, e ela se expressava com desenhos em caneta nanquim, corretivo e caneta vermelha, sempre acompanhados de frases curtas que transmitiam reflexões profundas.

A escolha pela faculdade de Artes Visuais foi natural para Julia, e seus pais a apoiaram. Na universidade, ela encontrou o espaço para experimentar técnicas como guache, acrílica e óleo, e começou a desenvolver um profundo interesse por artistas como Francisco Goya. Seu trabalho de conclusão de curso foi uma homenagem ao criador da Turma da Mônica, Mauricio de Sousa, com quem teve a oportunidade de interagir em uma conferência.

Depois de formada, Julia passou um ano na Itália, em Milão, onde se especializou em história em quadrinhos e ilustração. Lá, ela aperfeiçoou suas técnicas de desenho e mergulhou em cursos complementares de caligrafia e Pollymer Clay, que lhe permitiram explorar a tridimensionalidade de seus personagens.

Ao retornar ao Brasil, Julia passou a se dedicar à ilustração e se inspirou em artistas como Camille Rose Garcia e Ayami Kojima, que combinam cores vibrantes com sombras intensas. Nos últimos anos, Julia retomou o uso da tinta a óleo, buscando um refinamento que só essa técnica proporciona, misturando o realismo que marcou sua juventude com o lado mais caricatural de sua jornada artística.

Julia tem participado de diversas exposições, incluindo a Luxemburg Art Prize, a Bela Bienal do Rio e mostras em Osaka, Paris, Finlândia,  Portugal, Barcelona  e Bélgica.  Consolidando-se como uma artista comprometida, em constante evolução. Sua arte, que transita entre o sombrio e o belo, reflete suas influências e experiências pessoais.

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Processo
Criativo

Música, livros e filmes desempenham um papel essencial no processo criativo de J. Dalcastagné, influenciando diretamente os títulos de suas obras, muitos dos quais são inspirados por músicas durante sua criação. Essa abordagem revela sua intenção de investigar profundamente os sentimentos e o desenvolvimento do pensamento humano.

Esteticamente, suas obras se destacam pela presença marcante de elementos de ilustração. Um dos aspectos mais notáveis ​​é o contorno das formas, definido por linhas expressivas que delimitam as figuras. Suas paletas vibrantes contrastam de maneira audaciosa com o preto, utilizadas frequentemente como um elemento de equilíbrio visual. Em especial, as pinceladas nos rostos das figuras carregam um toque exagerado, com ênfase nos olhos, que se tornam o foco de sua composição ilustrativa.

Outra característica é o tratamento semi-realista dos rostos. Apesar de se aproximarem da realidade, essas representações nunca visam criar uma reprodução literal. O objetivo é provocar no espectador a busca por um ponto de referência que conecte a obra à realidade, possibilitando reconhecimento e identificação. Essa escolha estética oferece ao público um contato com o humano, evocando sensações visuais e ilusões que ampliam a compreensão do que significa ser humano.

O trabalho de J. Dalcastagné é também um exercício de reflexão. Suas obras funcionam como um livro que educa e provoca o pensamento crítico ou como um diário íntimo, voltado para o autoconhecimento. Por meio desse equilíbrio entre realidade e ilustração, suas obras nos convidam a olhar de forma crítica e sensível para situações cotidianas frequentemente ignoradas, conectando arte e humanidade em um diálogo profundo e instigante.

S E N S O  C R Í T I C O

J. Dalcastagné é uma artista que explora em suas obras, experiências e sensações peculiares da vida cotidiana, as quais geram pensamentos involuntários, seguidos muitas vezes de reações automáticas. Esses sentimentos de depreciação, excluídos, e maldade, (que são muitas vezes incontroláveis), se descobertos pelo próprio pensador a tempo, podem ser moldados para que as atitudes não demonstrem a verdade desses sentimentos incontroláveis. Esses sentimentos involuntários em contraste com as atitudes tomadas são os temas abordados nas obras do artista.

 

Sob este ponto de vista, é possível entender que os opostos se entrelaçam nas obras do artista, criando o “feio porém bonito”. Isto é alcançado com a ajuda de núcleos vibrantes interagindo com uma grande quantidade de preto e núcleos escuros, o que acaba criando uma espécie de agressividade amistosa. As linhas utilizadas para contornar o objeto do seu trabalho também são uma grande contribuição para essa estética. Elas resultaram num olhar mais agressivo, e ao mesmo tempo, por ter uma estética próxima à ilustração de livros, obtendo uma visão mais infantilizada e crua para as suas obras. J.Dalcastagné

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C R Í T Í C A

As pinturas de Julia Dalcastagné emergem de um universo único derivado de referências de anime, literatura de Edgar Allan Poe e situações humanas de fantasia, as peças se apresentam com conteúdo narrativo provocativo. A imaginação e o estado onírico dos personagens se misturam com aparências psicológicas reais, oferecendo pistas ao público que levantam questões sobre a existência e o valor das ilusões. Os opostos interagem nas imagens: beleza e feiura; luz e sombra; bem e mal. O desafio do medo misturado à ternura preenche o espaço das telas, não deixando pistas físicas para os olhos translúcidos e distantes das figuras, representando olhares vagos, imersos em seus próprios pensamentos.

Sandra Correia Fávero

Professor de Artes Visuais na UDESC

AS pinturas de Julia Dalcastagné emergem de um universo único derivado de referências de anime, literatura de Edgar Allan Poe e situações humanas de fantasia, as peças se apresentam com conteúdo narrativo provocativo. A imaginação e o estado onírico dos personagens se misturam com aparências psicológicas reais, oferecendo pistas ao público que levantam questões sobre a existência e o valor das ilusões. Os opostos interagem nas imagens: beleza e feiura; luz e sombra; bem e mal. O desafio do medo misturado à ternura preenche o espaço das telas, não deixando pistas físicas para os olhos translúcidos e distantes das figuras, representando olhares vagos, imersos em seus próprios pensamentos.

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In Útero_2024

Há artistas que pintam o mundo visível, suas cenas, seus objetos, suas formas reconhecíveis. Júlia Dalcastagné escolhe um caminho mais raro: ela pinta o que sobra depois que tudo desaba. O que restou no olhar da infância, o que a memória não conseguiu esquecer, o que o inconsciente tenta esconder sob máscaras, babados, sorrisos rasgados.

Sua linguagem pictórica opera num limiar entre o grotesco e o encantatório, como se suas figuras nascessem de um sonho interrompido por um sussurro antigo. São imagens que carregam a pulsação do simbolismo, a melancolia do expressionismo, a teatralidade do pop surrealismo, mas tudo filtrado por uma voz absolutamente autoral. O mundo que Júlia constrói não depende de influências; ele se basta em sua estranheza orgânica, em seus corpos lisos, olhos dilatados, gestos contidos e atmosferas densas como uma infância mal dormida.

Seu estilo é altamente reconhecível: figuras femininas ou andróginas, com semblantes grandes e fundos como abismos, envoltas em figurinos que parecem saídos de um cabaré existencial, uma ópera muda ou uma peça sem plateia. As composições são carregadas, porém balanceadas. Cada elemento carrega peso simbólico, seja uma pena, um laço, um lenço manchado — tudo tem função dentro da narrativa que, mesmo silenciosa, se impõe como quem já viveu uma vida inteira antes de ser pintada.

A paleta de Júlia é calculadamente intensa: tons de sangue e cinza, violetas, pretos lustrosos, brancos mortos, azuis noturnos. Não há cores vivas no sentido celebrativo, mas vivas no sentido de pulsantes, doentes, testemunhas. A luz, quando aparece, é quase sempre interior, saindo dos olhos ou de objetos mágicos. É uma iluminação emocional, nunca descritiva.

Há nas obras uma textura que recusa o polimento. A tinta se faz matéria, quase carne, em relevos que reforçam o aspecto tátil, ritualístico e sombrio de sua pintura. Júlia não seduz o espectador, ela o captura. E depois, talvez, o liberte.

Júlia Dalcastagné constrói um universo onde o tempo não corre, onde os traumas viram alegorias, e onde o feminino se transmuta em fantasia, animalidade, infância e memória. Sua arte não é para ser compreendida com rapidez. Ela é para ser habitada.

Porque há dores que só o símbolo consola, e Júlia, com sua pintura corajosa e delicadamente cruel,  nos dá as imagens que faltavam para nomear o indizível.

Marisa Melo

Consultora de Negócios no Mercado de Arte, curadora e sócia fundadora da UP Time Art Gallery

The Hidra

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